Bolha do imobiliário?! Mito!
A bolha do imobiliário não vai rebentar |
A bolha do imobiliário não vai rebentar porque não existe bolha. Existe uma transformação permanente e irreversível onde a habitação se integrou definitivamente nos mercados financeiros globais.
O anúncio de Luís Montenegro sobre 1300 milhões de euros para habitação acessível parece responder à lógica elementar da crise habitacional: mais procura que oferta exige mais construção. Esta abordagem aparentemente óbvia ignora uma transformação fundamental: a habitação deixou de ser um bem de primeira necessidade para se tornar um activo financeiro no sentido estrito.
As políticas monetárias das últimas décadas catalisaram este processo. Quando o Banco Central Europeu manteve taxas próximas de zero durante anos e injectou liquidez no sistema financeiro, tornou a poupança tradicional pouco atractiva. Os investidores procuraram alternativas, e o imobiliário emergiu como o activo perfeito: tangível, historicamente estável, facilmente financiável e com potencial de valorização consistente. Simultaneamente, o crédito hipotecário tornou-se tão abundante e barato que permitiu alavancagem em escala.
A percepção generalizada de que "imóveis nunca perdem valor" — alimentada por décadas de crescimento quase ininterrupto — criou uma mentalidade de investimento que transcende completamente as necessidades habitacionais. Para quem já possui capital, comprar propriedades tornou-se uma estratégia de preservação e multiplicação de riqueza mais atractiva que qualquer aplicação financeira tradicional. Os dados portugueses são absolutamente devastadores: nos últimos dez anos, o preço médio das casas mais do que duplicou, enquanto os salários cresceram marginalmente, frequentemente abaixo da inflação real. Esta disparidade não é acidental nem temporária — é o resultado directo da financeirização do mercado de habitação. O episódio mais revelador ocorreu durante a pandemia: contra todas as expectativas baseadas no abrandamento da economia, os preços não só não estagnaram como continuaram a subir. Este paradoxo demonstra que o mercado habitacional português se desconectou por completo dos rendimentos das famílias portuguesas, respondendo exclusivamente aos fluxos de capital internacional e às estratégias de diversificação de portfolios globais.
A habitação tornou-se uma reserva de valor global, equiparável a acções, obrigações ou ouro. As nossas cidades competem agora directamente com outras capitais europeias pelos fluxos de investimento internacionais. Um apartamento vale o que vale não porque os portugueses conseguem pagar esse preço, mas porque investidores internacionais consideram esse preço competitivo face às alternativas de investimento globais. A bolha do imobiliário não vai rebentar porque não existe bolha. Existe uma transformação permanente e irreversível onde a habitação se integrou definitivamente nos mercados financeiros globais. As bolhas são fenómenos especulativos temporários que acabam por rebentar devido a pressões internas de insustentabilidade, os mercados financeiros globais são sistemas auto-sustentáveis que se perpetuam indefinidamente. Esperar que os preços "normalizem" naturalmente é como esperar que a Bolsa de Nova Iorque ou o mercado do ouro desapareçam por si próprios. Esta é a nova normalidade e só mudará através de intervenção política corajosa e determinada a reverter décadas de financeirização desenfreada.
Fonte: publico.pt (https://www.publico.pt/2025/09/18/p3/cronica/bolha-imobiliario-nao-vai-rebentar-2145996) |